Empresas buscam ensinar liderança positiva a gestores
Assim como as empresas hoje se esforçam para estarem mais conscientes em relação a seu papel na sociedade, suas responsabilidades com a comunidade e o meio ambiente, chegando a um questionamento mais profundo de por que existem, as lideranças também estão passando por uma mudança na forma como conduzem a gestão das pessoas. O crescente adoecimento dos funcionários em razão de questões de saúde mental é um dos fatores que leva a essa revisão.
Dentro desse contexto ganha espaço um novo perfil de liderança, que recebe diferentes nomes – liderança positiva, compassiva ou consciente são alguns deles. “Como a liderança se reposiciona nessa organização que tem um nível de consciência mais amplo? Não é mais o mesmo jeito de liderar, não é foco total e exclusivo em produção e resultado financeiro”, afirma Daniel Spinelli, que tem mais de 20 anos de experiência em desenvolvimento humano e de equipes mais conscientes. Entre as ferramentas usadas por ele estão a “Search Inside Yourself”, desenvolvida pelo Google com base na neurociência, técnicas de inteligência emocional e mindfulness. É claro que a entrega de desempenho e resultado financeiro continua na mesa. “O desafio é ser um líder que entrega resultado com garantia de longevidade do negócio e das pessoas”, resume Spinelli.
Muitas empresas têm buscado programas para entender o que é a liderança consciente e como aplicá-la. Antes mesmo de a pandemia aparecer, a Serasa Experian vinha trabalhando um conceito de humanização dentro da dinâmica de trabalho, no sentido de o líder estar mais próximo do time. “Não só olhando para metas, mas também entendendo melhor como está a vida da pessoa, para trabalhar de uma maneira mais produtiva e entender a diversidade do time”, explica Flávio Balestrin, vice-presidente de recursos humanos para América Latina da companhia. “A gente fala muito em diversidade de gênero, raça, mas pouco se fala da diversidade de estilo de vida, de dinâmica de vida, tem gente com filho pequeno. É importante trabalhar a diversidade desse ponto de vista também, porque isso influencia a forma de engajar o seu time.
Com a pandemia, diz Balestrin, isso ficou ainda mais evidente. A Serasa Experian, então, criou cerca de seis meses atrás um novo programa batizado de “New Leadership Foundation”, que aborda quais são os novos paradigmas da liderança. Entre eles, definir objetivos e acompanhar as entregas, e não mais liderar por comando e controle, além dos aspectos de liderança humana, com um ambiente onde o líder – e qualquer funcionário – sente que pode mostrar suas fragilidades e que isso é normal. “Começamos a perceber, nas entrevistas com os times, cafés da manhã, que eles passaram a sentir o líder diferente”, comenta Balestrin. A pesquisa interna de pulso, feita trimestralmente, mostrou o impacto da ação. Na pergunta “eu me sinto apoiado pela liderança?”, o score que era de 73 passou para 84 na avaliação mais recente, de um total de 100 pontos.
Para que o ambiente de fato mude, Balestrin diz que é preciso começar a humanização pelo topo. “Nas lives, o presidente da empresa fala disso”, diz. “Mostra que não é só papo do RH, é a postura do presidente.” A primeira turma do novo programa, aliás, foi feita com o presidente e o comitê executivo. “Se você não treina a alta liderança para ela passar a mensagem, não emplaca.”
Desde o lançamento, 80% da liderança da Serasa Experian – cerca de 350 gestores – passou pelo programa (parte básica e duas ou mais capacitações no ciclo seguinte). “Quando fizemos os primeiros pilotos vimos que a diferença era grande de satisfação, com uma perda menor de pessoas [saindo da organização]”, diz Balestrin. “Não era só uma onda, mas um caminho correto. Investimos.”
Ligia Costa, estrategista de liderança compassiva e autora do livro “Líder humano gera resultados”, explica que esse novo gestor não é aquele que comanda e controla. Ele se coloca no papel de desenvolver a sua equipe, para fornecer as habilidades para que as pessoas construam seu próprio resultado, para que contribuam trazendo inovação. “Ele não entra na dor do funcionário, mas compreende esse funcionário como um ser humano igual a ele, e oferece apoio para ele se desenvolver”, diz.
Para ela, é papel do líder humano descrito no livro fortalecer os pontos positivos de cada funcionário, e não identificar o tempo todo, tentando ajustar para performar melhor, o que não é tão bom. “A liderança compassiva vai além. Valoriza os pontos fortes, tem um olhar mais positivo, de aprendizagem, de crescimento do funcionário, e de como se coloca a serviço dele, sendo um facilitador.”
Um olhar parecido tem Renata Rivetti, fundadora da Reconnect | Happiness at Work, que trabalha no Brasil o programa Potentialife, desenvolvido por Tal Ben-Shahar, acadêmico de Harvard. A iniciativa atua com cinco pilares da psicologia positiva para mudança de hábitos para uma liderança positiva. “Na visão da psicologia positiva, se busca o lado saudável da vida, maximizar as nossas forças”, explica Rivetti. Isso envolve encontrar o melhor de cada liderado e oferecer um ambiente com segurança psicológica para cada um poder ser mais autêntico e, dessa forma, desenvolver mais as suas forças e chegar ao seu potencial máximo.
Marcelo Mearim, diretor no Grupo Dasa, assumiu recentemente três diretorias, passando a liderar cerca de 2 mil pessoas e 30 líderes. Decidiu adotar a metodologia da psicologia positiva para fazer desse grupo um time, com pensamento único, engajamento e trabalhando em conjunto. “Fui atrás de um programa que pudesse ajudar no desenvolvimento do time e que trouxesse uma visão para as pessoas se conhecerem mais e terem interação”, conta.
Ao longo de três meses, 34 líderes fizeram o programa, que envolve teoria e encontros semanais de troca. “O principal ponto é o autoconhecimento”, diz Mearim. “A pessoa se entender e se cuidar mais, entender se precisa descansar mais, ter intervalos maiores entre as atividades, fazer exercício, mudar alimentação, para estar apta a cuidar de alguém. Ficou claro isso logo no primeiro módulo e muita gente sinalizou que começou a fazer exercício, regrar melhor a rotina de trabalho. Não é ter reunião o tempo todo que a torna produtiva.”
Como resultado, Mearim viu ele mesmo e outros líderes expondo as próprias fraquezas. “O mundo corporativo faz a avaliação 360, em que se vê pontos fortes e o que precisa desenvolver. A psicologia positiva enfatiza o ponto forte da pessoa e como trabalhar isso para, eventualmente [em time], compensar algum ‘gap’. De forma natural, você passa a liderar as pessoas assim.”
A questão do autoconhecimento também passou a ser um pilar dos líderes da SulAmérica. Isso porque o autoconhecimento leva a uma gestão mais humanizada e empática, acredita Patrícia Coimbra, vice-presidente de capital humano da companhia. “A primeira coisa é saber o que está acontecendo comigo para não passar isso para frente”, afirma. “E existem ferramentas para identificar isso e fazer a ponte com as outras pessoas.”
Recentemente, a organização trabalhou com sua liderança aspectos como inteligência emocional, atenção plena e autoconhecimento – sem obrigar ninguém a participar. “A gente não pode ter a expectativa que todo mundo use as ferramentas”, diz Coimbra.
Para ela, o papel da companhia — e do RH – é criar um ambiente saudável e dar as ferramentas. “Através das lives e da escuta a gente faz acontecer. Todo mundo é adulto, não precisa impor.” As ferramentas, diz Coimbra, ajudam o gestor a ser um líder que escuta com atenção, compreende com respeito, reconhece a importância da empatia e tem a colaboração de sua equipe como prioridade para chegar a bons resultados – é a definição que a companhia usa para a liderança compassiva. Mais de 200 líderes da empresa participaram dos treinamentos.
Costa reforça que o primeiro passo para uma liderança compassiva é o gestor se enxergar como ser humano, antes de ser líder, e ver similaridades com os liderados. “Temos corpo e mente de forma igual, independentemente do cargo hierárquico”, diz. “Eu me reconheço como ser humano, como mesma espécie. Temos responsabilidades diferentes talvez.”
Ao enxergar essa humanidade compartilhada, o líder se coloca em papel de humildade, aprendizado, curiosidade, passando a ter um olhar mais positivo frente aos estímulos. Em seguida, diz Costa, vem a compaixão. “Quando se chega a um cargo de liderança, algumas pessoas acham que recebem novos poderes, mas elas só estão com responsabilidades diferentes, continuam sendo humanas e não são donas dos outros”, afirma. Esse olhar egoico, acredita, faz com o que gestor, em grande medida, seja responsável por problemas de saúde emocional na equipe. “[A liderança tóxica] faz com que as pessoas adoeçam.”
A complexidade do mundo atual é uma oportunidade para o surgimento de um novo papel nas organizações, acredita Spinelli. “Estamos em um momento crítico que coloca isso em xeque, e o líder precisa rever a forma de liderar.”
Valor Econômico